Equipe de Lula viu inclusões de beneficiários sem critérios técnicos e aponta eventual crime eleitoral
O gabinete de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) informou nesta quinta-feira (1º) que vai representar o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) após ter detectado indícios de abuso de poder econômico durante as eleições, ao incluir beneficiários no Auxílio Brasil sem critérios e ao criar o programa de crédito consignado para esse público.
A equipe de Lula indicou que Bolsonaro incluiu 2,5 milhões de pessoas pouco antes da eleição no programa Auxílio Brasil, benefícios que deverão passar por revisão e que deverão ser retirados pelo futuro governo Lula.
Segundo o coordenador de grupos técnicos da transição, o ex-ministro Aloizio Mercadante, a intenção é representar contra Bolsonaro em diversas instâncias e órgãos de fiscalização, como Ministério Público, Tribunal de Contas da União e Controladoria-Geral da União.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), uma das coordenadoras do grupo técnico de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, chegou a falar que a questão deve causar a "inelegibilidade" dos gestores envolvidos.
O grupo técnico da transição de Desenvolvimento Social e Combate à Fome concedeu uma entrevista nesta quinta-feira (1º) para apresentar os primeiros diagnósticos da área.
Uma das coordenadoras do grupo, a ex-ministra Tereza Campello, apontou que houve um crescimento anormal na quantidade de beneficiários unipessoais —que residem sozinhos em determinada moradia. A situação pode configurar fraude, pois é mais vantajoso receber o benefício individualmente do que em um núcleo familiar.
Campello mostrou gráficos mostrando que o comportamento do perfil dos beneficiários se manteve constante ao longo do governo Jair Bolsonaro, com exceção de alguns períodos específicos, quando houve aumento dos beneficiários com esse perfil.
Em apenas um mês, citou, no fim do ano passado, um milhão de pessoas se cadastraram para receberem o Auxílio Brasil como núcleos unipessoais. A situação foi ignorada por eventuais sistemas de controle do Ministério da Cidadania, responsável pelo programa e se agravou posteriormente.
De dezembro a junho, outras 500 mil pessoas na mesma situação passaram a receber o benefício. E, às vésperas das eleições presidenciais, mais um milhão de pessoas entrou no programa dessa forma.
"As pessoas ficam tratando como se os beneficiários tivessem feito alguma coisa errada. Isso aqui é resultado de uma ação mal desenhada, mal organizada, mal divulgada, que orientou mal os beneficiários", afirmou Campello.
O governo Bolsonaro iniciou um programa de revisão da concessão dos benefícios. No entanto, seu cronograma prevê apenas a análise de 8 mil casos em dezembro deste ano. Para janeiro, quando o novo governo já estiver atuando, a revisão deve atingir 1,1 milhão de beneficiários, situação considerada totalmente inviável pelo gabinete de transição.
"E também, nós avaliamos que há fortes indícios de abuso de poder econômico e político por parte do governo, para além da incompetência e da má gestão", afirmou Tereza Campello.
"E, portanto, estamos finalizando uma nota técnica no GT de Desenvolvimento Social e Combate à Fome formalizando esses achados, não só esses, mas outros, porque também em relação ao crédito consignado a situação é a mesma e as nossas suspeitas são as mesmas. E encaminharemos aos órgãos de controle para que sejam apuradas e sejam tomadas as devidas providências", completou.
Também presente na entrevista, o coordenador de grupos técnicos Aloizio Mercadante sinalizou que a inclusão dos novos beneficiários, em particular nessa situação, pode configurar um crime eleitoral, uma prática de compra de votos usando recursos públicos.
"O que essa informação está dizendo? [Está dizendo] que no ano eleitoral e nas vésperas das eleições eles incluem 2,5 milhões de adultos para receber o benefício. Aí termina a eleição eles propõem que esses beneficiários sejam retirados pelo próximo governo em janeiro e fevereiro, tiram 1 milhão em janeiro e mais 1,5 milhão em fevereiro. O que isso sinaliza? Que agora tem gente preocupada com o seu CPF e seu RG, porque é crime eleitoral dar benefício indevido ao eleitor, é crime, está previsto na legislação", afirmou Mercadante.
O ex-ministro ainda citou o caso do programa de empréstimo consignado para beneficiários do Auxílio Brasil, que teve suspeitas apontadas pelo Tribunal de Contas da União, em particular por não haver uma análise dos riscos para a concessão do crédito. O governo Bolsonaro então suspendeu o programa temporariamente e depois o cancelou. Mercadante então disse que o cancelamento foi para evitar a responsabilização por eventuais crimes.
"Nós vimos [que o governo lançou o programa]. Estou dizendo para a Caixa Econômica Federal e para esse ministério e para esse governo: nós vimos. E vamos representar ao Ministério Público, à CGU, ao TCU porque precisa ter uma rigorosa apuração. Eleição é muito séria, tem que ter paridade de armas. Não pode ter abuso de político. Não pode usar recurso público para comprar votos", afirmou.
A senadora Simone Tebet afirmou que a apuração dos indícios deve ser separada para detectar crimes comuns e também eventualmente eleitorais, chegando a provocar a inelegibilidade de agentes públicos.
"Nós temos dois tipos de beneficiários. Temos aquele que recebeu de má-fé porque sabia que não podia. Temos comerciantes, servidores, empresários, cabos eleitorais de candidato. E temos aquele beneficiário que embora tenha recebido de maneira indevida, ele agiu de boa fé porque tinha um cadastro em que ele colocava os dados e ele caia na questão unipessoal e era uma pessoa que realmente precisa", afirmou a senadora, que é uma das coordenadoras do grupo técnico e cotada para ser ministra do futuro governo.
Tebet então disse que, agora, como servidores nomeados, o grupo de transição não pode deixar de denunciar os indícios que detectaram sob pena de prevaricação. E por isso vão encaminhar as suspeitas para diversas autoridades.
"Se a atividade não era pública, era eleitoral para ganhar a eleição. Se o motivo não era justo, isso vicia o ato e traz para uma seara eleitoral, pode trazer para uma seara eleitoral essa questão", afirmou.
"[Vamos] chegar uma relação [de casos] e a denúncia estaremos encaminhado para Ministério Público, CGU, justiça eleitoral e para as autoridades cabíveis. E o processo pode gerar inclusive inelegibilidade de algumas autoridades públicas se comprovar que elas tinham relação direta ou tinham fim eleitoreiro", completou.
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